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quarta-feira, 5 de abril de 2017
por Hanna
Greenberg -
Sudbury Valley School Journal, volume 15, no. 1,
Outubro, 1985.
Tradução de Luís Gustavo Guadalupe Silveira
“Onde você trabalha?”
"Na Sudbury Valley School."
“O que você faz?"
"Nada."
Fazer nada na Sudbury Valley requer uma grande
quantidade de energia e disciplina, e muitos anos de experiência. Eu fico
melhor a cada ano que passa, e me admira ver como as outras pessoas e eu mesma
enfrentamos o conflito interno que surge inevitavelmente em nós. O conflito é
entre desejar fazer algo pelas pessoas, transmitir seu conhecimento e passar
adiante a sabedoria que conquistou com tanto esforço, e a compreensão de que a
criança tem que aprender de acordo com sua própria vontade e no seu ritmo
pessoal. O uso que fazem de nós depende dos seus desejos, não dos nossos. Nós
temos que estar presentes quando formos solicitados, não quando decidimos que
devemos estar.
Ensinar, motivar e dar conselhos são todas
atividades naturais que adultos de diferentes lugares e culturas parecem
realizar para as crianças. Sem essas atividades, cada geração teria que
inventar tudo novamente, da roda aos dez mandamentos, da metalurgia à
agricultura. O ser humano passa o conhecimento para a juventude de geração a
geração, em casa, na comunidade, no trabalho e, supostamente, na escola. Infelizmente,
quanto mais a escola de hoje se esforça por dar orientação aos estudantes, mais
ela prejudica as crianças. Essa afirmação demanda uma justificativa, pois ela
parece contradizer o que eu acabei de dizer, ou seja, que adultos sempre ajudam
as crianças a aprender como entrar no mundo e a se tornar úteis dentro dele. O
que eu aprendi, lenta e dolorosamente ao longo dos últimos anos, é que as
crianças sozinhas tomam decisões cruciais por si mesmas de maneiras que nenhum
adulto poderia antecipar ou mesmo imaginar.
Considere o simples fato de que na SVS, muitos estudantes
decidiram enfrentar a álgebra não porque eles precisam saber isso, ou mesmo
porque acham interessante, mas porque ela é difícil, chata e eles são ruins em álgebra.
Eles precisam superar seu medo, seu sentimento de incompetência, sua falta de
disciplina. Repetidamente, estudantes que tomaram essa decisão alcançam seus
objetivos e dão um grande passo na construção de seus egos, sua confiança e seu
caráter. Então, por que isso não acontece quando todas as crianças são
obrigadas e encorajadas a estudar álgebra no ensino médio? A resposta é
simples. Para superar um obstáculo psicológico, você tem que estar pronto para
se comprometer pessoalmente com isso. Este estado mental só é alcançado após
intensas contemplação e autoanálise, e não pode ser determinado por outras
pessoas, nem pode ser criado para um grupo. Em todo caso, é uma luta pessoal, e
quando é bem-sucedida, é um triunfo individual. Professores só podem ajudar
quando solicitados, e sua contribuição para o processo é pequena se comparada
ao trabalho realizado pelo estudante.
O caso da álgebra é fácil de entender mas não é tão
revelador quanto outros dois exemplos que aconteceram em recentes defesas de
teses. Uma pessoa de quem eu me tornei muito próxima, e em relação à qual eu
poderia facilmente ter me iludido com a ideia de tê-la “orientado”, me chocou
quando, contrariando minha “sabedoria”, achou mais útil usar seu tempo na
escola para se concentrar em se socializar e organizar bailes do que
aperfeiçoando as habilidades de escrita que ela iria precisar para a carreira
de jornalista escolhida por ela. Não teria ocorrido a nenhum dos adultos
envolvidos com a educação dessa estudante em particular aconselhar ou sugerir a
ela o caminho que ela sabiamente escolheu para si mesma, guiada somente por seu
conhecimento e seu instinto íntimos. Ela tinha problemas, os quais ela primeiro
descobriu para depois resolver de maneiras criativas e pessoais. Ao lidar
diretamente com as pessoas, ao invés de observá-las de longe, ela aprendeu mais
sobre elas e consequentemente realizou insights
melhores e mais profundos, os quais, por seu lado, a levaram a aperfeiçoar sua
escrita. Será que exercícios de escrita em aulas de inglês teriam feito tanto
por ela? Duvido muito. E o que dizer sobre a pessoa que amava ler, mas que
deixou de amar logo após chegar à SVS?  Por
muito tempo, ela achava que tinha perdido sua determinação, seu intelecto e seu
amor pelo aprendizado pois tudo o que ela fazia era brincar ao ar livre. Após
vários anos, ela descobriu que havia se enterrado nos livros para fugir do
contato com o mundo exterior. Somente depois de ter sido capaz de superar seus
problemas de socialização, e somente depois de ter aprendido a curtir
atividades físicas e ao ar livre, ela retornou ao seus amados livros. Agora,
eles não são mais uma fuga, mas uma janela para o conhecimento e para novas
experiências. Será que eu ou qualquer outro professor teríamos conseguido
guiá-la tão sabiamente quanto ela mesma? Eu acho que não.
Enquanto eu escrevia isso, outro exemplo de muitos
anos atrás me veio à mente. Ele ilustra como os tipos normais de incentivo
positivo e de contribuição podem ser contraproducentes e altamente limitantes. O
estudante em questão era obviamente inteligente, aplicado e estudioso. Inicialmente,
qualquer teste teria mostrado que ele tinha um talento notável para a
matemática. O que ele realmente fez, durante seus quase dez anos de SVS, foi
praticar esportes, ler literatura, e já na adolescência, tocar música clássica
ao piano. Ele estudou álgebra principalmente por conta própria, mas pareceu ter
dedicado pouco do seu tempo à matemática. Agora, com vinte e quatro anos de
idade, ele é um estudante de pós-graduação em matemática abstrata e está se
saindo muito bem numa das melhores universidades. Tremo só de pensar no que
teria acontecido a ele se o tivéssemos “ajudado” a acumular mais conhecimentos
em matemática, em detrimento das atividades que ele escolheu realizar, durante
os anos que passou aqui. Será que ele teria a força interior, quando pequeno,
para resistir aos nossos elogios e adulações e ficar com suas armas, ler
livros,  brincar de esportes e tocar música?
Ou ele teria optado por ser um “excelente estudante” em matemática e em ciências
e crescido sem realizar sua busca por conhecimento em outras áreas? Ou ele
teria tentado realizar tudo isso? E a que preço?
Como contraponto ao exemplo anterior, gostaria de
citar outro caso que ilustra ainda outro aspecto de nossa abordagem. Alguns
anos atrás, uma adolescente que havia sido estudante na SVS desde os seus cinco
anos de idade me disse com bastante raiva que havia desperdiçado dois anos e
não aprendera nada. Eu não concordei com sua avaliação sobre si mesma, mas eu
não senti que devia discutir com ela, então eu simplesmente falei: “Se você
aprendeu quão ruim é desperdiçar seu tempo, ora, então você não poderia ter
aprendido uma lição melhor tão cedo na vida, uma lição que será valiosa para o
resto dos seus dias.” Essa resposta acalmou a garota, e eu acredito que seja um
bom exemplo do valor de permitir que os jovens cometam erros e aprendam com
eles, mais do que direcionar suas vidas numa tentativa de evitar os erros.
Por que não deixar que cada pessoa decida como vai
usar seu próprio tempo? Isso iria aumentar a probabilidade de as pessoas
crescerem satisfazendo suas necessidades educacionais únicas sem ser
atrapalhadas por nós adultos que nunca saberemos o bastante ou seremos sábios o
suficiente para aconselhá-las apropriadamente.
Assim, eu estou me ensinando a não fazer nada, e
quanto mais eu sou capaz de fazer isso, melhor é o meu trabalho. Por favor, não
cheguem à conclusão de que a equipe é supérflua. Você pode dizer a si mesmo que
as crianças praticamente administram a escola sozinhas, então pra que tanta
equipe, só pra ficar sentada sem fazer nada. A verdade é que a escola e os
estudantes precisam de nós. Estamos lá para observar e alimentar a escola
enquanto instituição e os estudantes enquanto indivíduos.
O processo de se auto dirigir, ou de trilhar seu
próprio caminho, quer dizer, de viver sua vida mais do que só passar o tempo, é
natural mas não é autoevidente para as crianças que crescem em nossa
civilização. Para alcançar esse estado mental elas precisam de um ambiente que
seja como a família, numa escala maior do que a família nuclear, mas ainda
assim apoiador e seguro. A equipe, ao ser atenta e cuidadosa e ao mesmo tempo
sem ser diretiva e coercitiva, dá às crianças a coragem e o estímulo para ouvir
a si mesmas. Elas sabem que nós somos competentes para guiá-las, como qualquer
adulto é, mas nossa recusa em fazer isso é uma ferramenta pedagógica usada
ativamente para ensiná-las a ouvir somente a si próprias e não a outros que, na
melhor das hipóteses, sabem somente metade do que há para saber sobre elas.
Nossa recusa em dizer aos estudantes o que fazer
não é percebida por eles como falta de algo, um vazio. Ao contrário, é o
estímulo para eles construírem seu próprio caminho, não sob nossa orientação,
mas sob nossa atenção cuidadosa e apoiadora. Pois são necessários trabalho e
coragem para fazer o que eles fazem para e por si mesmos. Isso não pode ser
feito num vácuo de isolamento, mas se desenvolve numa comunidade viva e
complexa que a equipe estabiliza e perpetua.

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